sábado, 31 de julho de 2010

Hiroshima - John Hersey

Só é possível compreender a real dimensão do sofrimento das vítimas da bomba de Hiroshima (lançada em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial) após a leitura desta obra. John Hersey, um dos principais expoentes do Jornalismo Literário, entrevistou seis sobreviventes da bomba, um ano após a tragédia. O jornalista levou seis semanas escrevendo a reportagem, que inicialmente ocuparia as páginas da edição de agosto da revista The New Yorker, onde trabalhava. Quarenta anos depois, Hersey retornou à cidade japonesa, reencontrou seus entrevistados e incrementou seu trabalho, transformando-o no livro Hiroshima.

A bomba produziu não apenas seqüelas físicas, mas também psicológicas e emocionais nas vítimas que carregam consigo até hoje os efeitos produzidos pela exposição à radiação atômica (crianças ainda nascem deformadas devido ao acúmulo de material radioativo nos genes dos pais). O livro consegue reproduzir fielmente todo o sofrimento humano dos sobreviventes, fato notável inclusive devido à complexidade e amplitude do acontecimento. O jornalista absorveu o principal dos relatos coletados e conseguiu transmitir isso em um relato comovente e cheio de horror.

Cinqüenta anos após a sua publicação, o livro continua atual, tanto por seu caráter informativo (levando o acontecimento às novas gerações que não presenciaram o lançamento da bomba por terem nascido depois), como também por ser uma reportagem surpreendente e rica em detalhes. Sem contar o fato de que a obra pode ser considerada uma denúncia contra a violência humana.

A leitura de Hiroshima flui com facilidade devido ao estilo leve da narrativa. Ao finalizar a obra, Hersey inclui diversas informações sobre testes posteriores realizados com bombas nucleares ao redor do mundo e acaba por induzir um questionamento pessoal em cada leitor: será que vale a pena dizimar tantas vidas por interesses de poucos?

Trecho do Livro:

Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se pergutam por que estão vivas, quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade - um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam nada disso.


Autor: John Hersey
Tradução: Hildegard Feist
Editora: Companhia das Letras
172 páginas

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Odisséia - Homero

Odisséia é um dos grandes poemas épicos de Homero e relata a trajetória do herói Ulisses (também chamado de Odisseu) de volta à sua terra natal, Ítaca, após combater durante árduos anos na guerra de Tróia. O regresso para casa não será tão rápido, já que Ulisses terá de enfrentar os perigos do mar e a fúria dos deuses gregos, o que lhe custará muita estratégia e a vida de seus companheiros. Como se não bastasse, sua esposa Penélope, angustiada e quase sem esperanças de que o marido retorne após tantos anos de ausência, pretende se casar novamente. Enquanto Ulisses está no mar, a caminho de casa, há uma horda de pretendentes interessados em sua esposa, todos eles vivendo em seu palácio e usufruindo seus bens sem piedade. Seu filho Telêmaco, vivendo no palácio com a mãe, não suporta mais esta situação e sai em busca do pai desaparecido.

A saga do herói é composta por 24 cantos, traduzidos diretamente do grego. A narrativa oscila entre o romance, o fantástico e o natural, mostrando que o destino de um homem pode ser governado tanto por si mesmo como também pelos deuses, que se apresentam instáveis: ora auxiliam o herói, ora o querem destruir. Acima de tudo, Ulisses demonstra (além de coragem e força física) que suas ações são movidas pela honra. Uma epopéia rica em aventuras e pontuada com humor do começo ao fim.

Trecho do livro:

Posidão, que o solo estremece, ergueu, emborcado, um vagalhão enorme, terrível e medonho, e arrojou-o sobre Odisseu. Tal como o vento impetuoso agita um montão de palhas secas e as dispersa em todos os sentidos, assim espalhou a vaga os longos fustes da jangada. Odisseu, porém,  escanchou-se num dos troncos, como se montasse um cavalo de sela, despiu as roupas que a divina Calipso lhe ministrara e de contínuo abriu o véu sob o peito, atirou-se de bruços na água, de braços estendidos, pronto para nadar. O poderoso deus que o solo estremece viu-o, meneou a cabeça e disse a seu coração:

- Vagueia assim pelo mar agora, após tantos reveses, até chegares a um povo descendente de Zeus. Mas nem assim, espero, virás a rir de teus males.

Autor: Homero
Tradução (em prosa moderna) de Jaime Bruna
Editora Cultrix
289 páginas

sábado, 17 de julho de 2010

Anne Frank, Uma Biografia - Melissa Müller

Se você leu O Diário de Anne Frank e quer saber mais sobre a vida da garota, inclusive fatos e ocorridos que não estão registrados lá, a biografia escrita pela jornalista austríaca Melissa Müller é uma ótima opção.

Aos treze anos, Melissa leu os registros de Anne e se emocionou. Identificou-se demais com a menina judia que tinha a mesma idade que ela quando escreveu o diário, atualmente o documento mais famoso sobre as atrocidades cometidas pelo regime nazista na Segunda Guerra Mundial. Os conflitos de Anne, sua personalidade marcante e sua busca pelo autoconhecimento eram características comuns às de Melissa em sua adolescência. A partir de então, a jornalista quis saber mais sobre a vida da menina e, após dois anos de muita pesquisa e dedicação, deu origem à obra Anne Frank – Uma Biografia.


O livro, publicado em 2000, apresenta de forma detalhada a vida de Anne Frank antes, durante e após o período em que esteve escondida dos nazistas com mais sete judeus na casa dos fundos. Tudo o que não pôde ser encontrado no diário da menina (a vida de seus antepassados, o meio social em que ela passou a infância e seus últimos meses de vida no campo de concentração alemão em Bergen-Belsen) são relatados na biografia.

A autora viajou para diversos países em busca de parentes e amigos que conviveram com Anne e sobreviveram aos campos de concentração. Estas pessoas contribuíram com documentos, fotos e memórias pessoais sobre Anne e seu modo de ser. No livro há ainda um posfácio de Miep Gies, integrante do grupo de quatro pessoas que ajudou a família Frank a entrar para a clandestinidade. Miep revela possíveis traidores que delataram os oito judeus para os nazistas e os motivos que os levaram a fazer isso. Também conta porque resolveu ajudar a família e qual o motivo a fez silenciar sobre o assunto por mais de 50 anos.

Além disso, em Anne Frank – Uma Biografia, é revelada a existência de cinco páginas do diário de Anne que não foram publicadas por motivos pessoais de seu pai, Otto Frank, que guardou os escritos em segredo durante vários anos. Há ainda fotos e cartas inéditas da família Frank, que permitem ao leitor maior proximidade com a vida de Anne, tornando sua figura mítica mais humana e mais admirada aos olhos das pessoas que não a conheceram.

A biografia não substitui o diário de Anne. Muito pelo contrário, o complementa de forma abrangente, resultado de uma apuração minuciosa da jornalista Melissa Müller, que dá muita importância ao contexto histórico da época, apresentando em seu livro um quadro cronológico detalhado no qual inclui a trajetória da família Frank em sua luta contra o regime nazista. Ainda há, na obra, uma árvore genealógica com as gerações anteriores da família de Anne, tanto por parte de pai como de mãe.

Um dos motivos que impulsionaram Melissa a escrever este livro foi o fato da jornalista ter em mente inúmeras questões sem resposta, como “Em que ambiente familiar Anne cresceu?”, “Quais vivências marcaram-na?”, “Como se pôde chegar ao genocídio de judeus?”.Tais perguntas puderam ser respondidas após um longo trabalho de apuração e as que ficaram sem uma resposta exata foram explicadas por meio de conjecturas da autora, que ao final da obra chegou à conclusão de que não existem motivos lógicos que expliquem o holocausto e a irracionalidade do regime nazista.

Trecho do Livro:

Silberbauer ordena a seus ajudantes que façam uma revista no resto dos aposentos da casa dos fundos em busca de jóias e dinheiro, e também no sótão. Ele próprio vai pegar o volumoso cofre dos Frank no armário. Seu olhar percorre o quarto. Agora, ele encontrou o que precisa. A pasta de documentos de couro de Otto. Na verdade, a pasta de Anne; pois Otto cedeu-a para a filha como lugar seguro para seus documentos pessoais. Silberbauer abre a pasta, a vira de cabeça para baixo e, sem nenhum cuidado, deixa que os diários, os cadernos e as folhas soltas caiam no chão. "... meu diário não, meu diário só junto comigo!", Anne anotara quatro meses antes. Agora, ela não demonstra qualquer reação. Silberbauer, a quem irrita a aparente falta de surpresa de sua prisioneira, deixa o conteúdo do cofre cair na pasta e berra: — Vamos, preparem-se! Depressa! Em cinco minutos quero que todos tenham partido! Como num transe, os prisioneiros pegam suas bolsas de fuga, no quarto ao lado. Mochilas que estão prontas e penduradas há dois anos, preparadas para o caso de começar um incêndio, e eles tivessem de abandonar os fundos da casa. Eles fingem que não vêem a grande desordem que acabaram de fazer os nazistas holandeses em sua busca. Silberbauer, segundo-sargento da SS, não pode ficar parado. Com suas botas pesadas, anda de um lado para outro no quarto estreito. De um lado para outro. Isto tem um efeito intimidador, disseram a ele.

Autor: Melissa Müller
Tradução de Reinaldo Guarany
Editora Record
395 páginas

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Diário de Anne Frank

A jovem Anne, com apenas 13 anos de idade, judia e refugiada dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, agarrou-se a seu diário como a um amigo íntimo: para melhorar a imagem do amigo, há muito tempo esperado em minha imaginação, não quero jogar os fatos neste diário do jeito que a maioria das pessoas faria; quero que o diário seja como uma amiga, e vou chamar esta amiga de Kitty. O diário acompanhou a menina durante dois anos, principalmente em seu refúgio no Anexo Secreto, onde esteve com a família e mais quatro pessoas durante as perseguições aos judeus.


Seus relatos, repletos de confissões sobre seus sentimentos, mostram como Anne enfrentou o período mais difícil de sua vida: a angústia de não ter mais os amigos por perto, o medo que passou, seus constantes desentendimentos com a mãe, as transformações da puberdade, o primeiro amor e os conflitos internos que surgiam a cada dia mostram que as responsabilidades com que teve que arcar com tão pouca idade a tornaram adulta antes da hora. Essa maturidade estampa seus escritos, tão cheios de sonhos e planos para o futuro.

Ao escrever, Anne tinha noção de que seu diário poderia se tornar um importante documento histórico. Gerrit Bolkestein, membro do governo holandês no exílio, anunciou no rádio que após a guerra recolheria depoimentos pessoais de quem testemunhou o terror nazista de perto, para que fossem colocados à disposição do público. Anne reescreveu seu diário e selecionou as melhores partes, o que deu origem a duas versões do diário: uma na íntegra, outra apenas com os trechos selecionados.

A garota só não imaginava que seus registros pessoais seriam conhecidos e aclamados mundialmente após sua morte. Obra-prima de primeira qualidade, O Diário de Anne Frank faz com que o leitor compreenda de perto o terror vivido pelos judeus durante o exílio e se sinta comovido e inconformado com a destruição de tantos sonhos e sede de vida que faziam parte da pequena Anne.

Trecho do livro:

E se não tiver talento para escrever livros ou artigos de jornal, sempre posso escrever para mim mesma. Mas quero conseguir mais do que isso. Não me imagino vivendo como mamãe, a Sra. van Daan e todas as mulheres que fazem o seu trabalho e depois são esquecidas. Preciso ter alguma coisa além de um marido e de filhos a quem me dedicar! Não quero que minha vida tenha sido em vão, como a da maioria das pessoas. Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci.Quero continuar vivendo depois da morte! (...) Mas - e esta é uma grande questão – será que conseguirei escrever alguma coisa grande, será que me tornarei jornalista ou escritora?

Autora: Anne Frank
Tradução de Alves Calado
Edição Integral
Editora Record
315 páginas

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A Hora da Estrela - Clarice Lispector

Quem nunca ouviu falar de Macabéa? Sem dúvida, entre as personagens de Clarice Lispector, a mais conhecida. Em A Hora da Estrela, ela apresenta alguns aspectos semelhantes à vida da autora, como o fato de ter se mudado de Alagoas para o Rio de Janeiro. Datilógrafa, semi-analfabeta e órfã, Macabéa vive como pode e entende o mundo ao seu (limitado) modo. Se alegra com pequenos prazeres, como pintar de vermelho as unhas róidas, comer cachorro-quente e escutar diariamente a Rádio Relógio, que dá "hora certa e cultura". O êxtase de sua vida ocorre quando ela começa a namorar Olímpico de Jesus, metalúrgico que sonha ser deputado da Paraíba. Mas ele logo decepciona a nordestina que, em busca de um futuro, vai à cartomante pra descobrir, no final das contas, que sua existência seria rápida demais para sonhar com uma vida melhor.

Com uma dose de humor e a tentativa de traduzir em palavras a experiência vivida pela protagonista, o escritor Rodrigo S.M, também personagem do livro, conta a história da nordestina, mulher simples em todos os aspectos, com a vida marcada pela miséria e o desamparo.

Último livro publicado por Clarice em vida, a obra foi adaptada ao cinema brasileiro em 1985, no filme de Suzana Amaral. Marcélia Cartaxo, atriz que fazia o papel de Macabéa, ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim.

Trecho do Livro:

Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de um não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou de perto as manchas no rosto. Em Alagoas chamavam-se 'panos', diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento. Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio.

Autora: Clarice Lispector
Editora Rocco
87 páginas

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Paixão Segundo G.H. - Clarice Lispector

Sem dúvida é o romance que revela todo o misticismo de Clarice Lispector. A personagem G.H, mulher de classe média, depara-se om uma grossa barata perambulando no armário do quarto. Há um confronto mudo entre as duas, que se resolve quando G.H. esmaga o repulsivo inseto na porta do armário. A partir daí,  a personagem entra em longa introspecção, que a leva a aproximar-se cada vez mais da barata, a ponto de querer comê-la e assim anular sua própria existência como  mulher.

Os questionamentos que a personagem apresenta ao longo do texto muitas vezes se assemelham aos questionamentos e inquietações pessoais dos leitores, por isso tantos são os que se identificam com a obra de Clarice.
Primeiro livro da autora escrito em primeira pessoa, A Paixão Segundo G.H. revela a busca de uma identidade por uma mulher que possui tantas camadas quanto uma barata.

Trecho do livro: 

O que era pior: agora eu ia ter que comer a barata, mas sem a ajuda da exaltação anterior, a exaltação que teria agido em mim como uma hipnose; eu havia vomitado a exaltação. E inesperadamente, depois que da revolução que é vomitar, eu me sentia fisicamente simples como uma menina. Teria que ser assim, como uma menina que estava sem querer alegre, que eu ia comer a massa da barata.

Autora: Clarice Lispector
Editora Rocco
180 páginas