terça-feira, 7 de setembro de 2010

Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco


Simão Botelho era um típico homem do século XIV, de boa família, com uma mesada recebida regularmente para realizar seus estudos. Teresa era uma típica mulher (menina) do século XIV, de boa família, que deveria fica à espera da decisão de seu pai sobre qual homem a levaria para o altar. Eles eram vizinhos. E as famílias se odiavam, assim como a história de Romeu e Julieta. E isso, devido ao que já conhecemos, pode nascer um amor que não pode ser.

E tem o primo que convence o tio ser o melhor partido para a sua filha Teresa, e acaba com os planos de namoro feitos através dos olhares trocados por ela e Simão Botelho, o vizinho inimigo de seu pai. Mas a filha não tem tanto assim de menina comum do século XIV, ela sabe dizer o que quer e, de antemão, avisa o pai que não casa-se com o primo Baltasar Coutinho, que, nada mais é que um ser capitalista em busca do dinheiro do seu tio através do casamento com sua prima. “Por parte de Baltazar Coutinho a paixão inflamou-se tão depressa, quanto o coração de Teresa se congelou de terror e repugnância”. E então temos o conflito principal.

Movidos por uma paixão avassaladora, Teresa e Simão trocam cartas regadas a sentimentalismos e sofrimentos puros de amor, com uma vontade de morrer se não for possível ficarem juntos, como se fosse uma ferida se abrindo cada vez mais, como se o derramar sangue e sofrer fossem uma situação do mais puro amor. E se faz necessário matar Baltasar Coutinho que, primeiramente, tenta matar Simão Botelho, mas acerta-o apenas de raspão. Mas Simão, como o herói da história, não falha em sua missão e mata o primo de Teresa na frente de todos. E não foge. E assume o crime. E vai para a cadeia. Afinal, os românticos são, sobretudo, pessoas extremamente honradas, assumidoras de todas as suas aventuras e desventuras. Paralelamente a menina Teresa está vivendo num convento por obrigação de seu pai. Nesse ponto o autor não perde a chance de fazer uma crítica ao ambiente religioso, pois a descrição do convento é de um lugar totalmente oposto ao que se pensa sobre religiosidade: freiras loucas, dissimuladas, mexeriqueiras e pecadoras.

E como toda a história necessita de antagonistas – que “carregam” e “conversam” com os personagens principais, temos também dois personagens muito interessantes: Mariana, uma camponesa, e seu pai, João da Cruz. Este é totalmente grato a família de Simão Botelho devido a uma preciosa ajuda realizada no passado e, assim que ele vê o integrante da família precisando de abrigo, oferece-lhe. E Mariana, por forças inexplicáveis talvez, apaixona-se perdidamente por Simão Botelho e passa, então, a ajudá-lo com tudo que for preciso para que ele consiga resgatar Teresa do convento.

Mas tudo acontece em vão, a não ser o amor que parece crescer e crescer a cada página lida, como se fosse um fermento em excesso no bolo. Cresce e cresce, transbordando da forma da sanidade. Simão enlouquece, Teresa enlouquece, Mariana enlouquece – todos em nome do amor. E, de repente, uma pequena sobriedade volta, mas o vestígio da loucura permanece. No livro isso é chamado de honra. A honra do amor único, eterno, para sempre. “Tenho a demência da dignidade: por amor da minha dignidade me perdi.” E eu me pergunto: que amor é esse? Que necessidade é essa de colocar o ser amado como algo tão perfeito e que ao mesmo tempo enlouquece? Isso é amor mesmo?

Amor de Perdição deve ser lido por todos aqueles que querem compreender a escola literária do Romantismo e por todos que gostam de filosofar sobre o amor. É um livro bonito, muito bem escrito e, no início, talvez se tenha um pouco de dificuldade para acompanhar a leitura, pois trata-se de um romance escrito em 1862, então, obviamente, não veremos frases típicas de hoje em dia, mas sim, um mergulho na gramática portuguesa desse período, o que eu acho divino.

Os autores românticos falam de amor com muita dor, como se carregassem nas costas o amor representando por uma bigorna. Dói. Mas hoje ainda vemos o amor assim, porque o “amor” é algo possessivo, dolorido, sofrido em muitos casos. Não mudamos muito. A literatura, o cinema, a novela ainda tratam muito do amor romântico; na vida ainda vivemos esse tipo de amor, apenas disfarçamos melhor esse “sentir o amor” como sinônimo de perfeição e honra, mas que leva o ser humano à loucura, a demência, criando uma lógica que, se assim não for, não é amor. Parece que Camilo Castelo Branco quer dizer isso, como se isso não tivesse importância se menor fosse, ao ponto de escrever um livro. O amor só é interessante se intenso. Extremamente intenso e louco. E ele também critica toda a sociedade da época, os moldes como os casamentos são feitos, como as famílias lidam com suas filhas mulheres. No livro, escrito em 15 dias enquanto ele estava na cadeia, Camilo Castelo Branco afirma que, através de um personagem secundário, que seria muito simples se o pai de Teresa não tivesse bloqueado a história de amor dela com Simão. Seria tão simples se, mesmo no meio da história, ele voltasse atrás e permitisse a felicidade de sua filha. Mas não. Tadeu Albuquerque em nome de uma honra que só existia na cabeça dele, carregou o amor extremo de sua filha rumo à loucura e morte. Não só de Teresa, mas de todos que ali sentiram o que eles chamavam de amor.

Algumas frases do livro:

“Em cada mulher, quatro mulheres incompreensíveis, pensando alternadamente como se hão de desmentir umas às outras.”
“Sem saber que os encantos da vida, os mais angélicos momentos da alma, são esses lances de misterioso alvoroço que aos mais serôdios de coração sucedem em todas as razões da vida, e a todos os homens, uma vez a menos”
“Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa.”
“A liberdade do coração é tudo.”
“Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência.”
“(…) alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela do egoísmo.”
“Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar.”
“Tenho a demência da dignidade: por amor da minha dignidade me perdi.”