segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Maça no Escuro, de Clarice Lispector

Comprei A Maça no Escuro numa dessas promoções do Submarino: foram 3 livros da Clarice Lispector por um preço ótimo. E escolhi A Maça no Escuro porque queria entender o nome: A Maça no Escuro – o que será que Clarice Lispector está querendo dizer? Essa foi a questão.
O livro é divido em 3 partes: “Como se faz um homem”, “Nascimento do herói” e “A maça no Escuro”. Na primeira parte o leitor não terá a mínima idéia do porque Clarice escolher esse nome, porém, é um ótimo início onde cada personagem é mostrado com muita mestria, onde só o fluxo de consciência é capaz de carregar essa missão. Clarice Lispector é tão espetacular quanto Virginia Woolf nesse sentido. É maravilhoso mergulhar nas mentes dos personagens e eu, particularmente, não consigo ler um livro onde isso não aconteça de alguma forma. E esse mergulho permanece na segunda e terceira parte, não poderia ser diferente tratando-se de Clarice Lispector, e é nisso que mora toda a mágica do livro: muitas vezes precisei voltar à terra, recuperar meu fôlego, reencontrar meu equilíbrio de emoções e seguir no mar profundo da leitura. Delicioso!
Os personagens principais: Martim, Vitória e Ermelinda têm algo em comum: a necessidade de compreender o que se faz em cada passo, mas esses passos são dados sem, necessariamente, ter entendido o passo anterior. Não sei se isso é claro para eles como pessoas, mas Clarice Lispector “rouba” a mente deles e apresenta ao leitor tudo organizado, preciso, bonito. E ao mesmo tempo: louco, confuso, torto, divino. E não há como se perder na história, pois é um mergulho na confusão da humanidade, um apocalipse do que pode ser e o que não é. Puta que pariu (me desculpem o palavrão), mas Clarice Lispector é foda! Ao final do livro eu vi nitidamente a maça no escuro como se eu admirasse uma tela impressionista. E o que mais posso acrescentar perante isso? Estou anestesiada por conta desse livro, pois a aproximação que Clarice permite para cada personagem a cada página do livro é algo que somente os grandes escritores conseguem, e fico aqui boba pensando “e ela se achava amadora”. Sim, Clarice se achava amadora e afirmava gostar de ser assim porque se sentia livre para criar. Amém. Mas ela não tem nada de amadora e eu só pude compreender isso lendo A Maça no Escuro, devido a complexidade, a densidade, a consciência e o derrame perfeito de palavras para tentar compreender a vida, para tentar buscar um sentido. Sentido este que pode surgir de um ato mau para um bom ou de um bom para um mau. E, ao final, o importante, mas importante mesmo, não é encontrar o sentido e sim não ter medo de colher a maça no escuro.
A Maça no Escuro
Clarice Lispector
Editora Rocco
334 páginas

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha - Miguel de Cervantes

Um dos maiores clássicos da literatura, Dom Quixote conta a história de um proprietário de terras que enlouquece após ler muitos romances de cavalaria. Ele passa a acreditar que é um cavaleiro de verdade e sai mundo afora em busca de aventuras que só existem em sua cabeça: moinhos de vento se transformam em gigantes, rebanhos de ovelha viram exércitos e até uma velha bacia de barbeiro torna-se um valiosíssimo elmo aos olhos de Dom Quixote, sempre acompanhado de seu fiel escudeiro Sancho Pança. No caminho destes dois malucos não faltará confusão e dentes perdidos.

Nesta obra composta por dois volumes, o Cavaleiro da Triste Figura (como é chamado Dom Quixote no livro) caminha para um mundo que lhe é esquivo, devido à impossibilidade que encontra ao tentar reduzir a realidade às suas ideias insanas. Sancho Pança, por mais que compartilhe tais ideias com Dom Quixote, mostra-se mais sensato e realista do que ele, chegando a defendê-los do perigo diversas vezes.

O livro de Miguel de Cervantes é considerado o primeiro romance moderno e foi adaptado para o cinema por Orson Welles em 1992. Hoje o prêmio literário mais importante da Espanha, o Prêmio Cervantes, leva o sobrenome do escritor.

Trecho do Livro:

Em suma, ele engolfou-se tanto em sua leitura, que lendo passava as noites em claro, e os dias em turvo; e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro de maneira que veio a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros, tanto de encatamentos como de pelejas, batalhas, duelos, ferimentos, galanteios, amores, desgraças e disparates impossíveis; e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação que era verdade toda aquela máquina daquelas sohadas invenções que lia, que para ele não havia outra história mais certa no mundo. 


Autor: Miguel de Cervantes
Tradução de Carlos Nougué e José Luis Sánchez
Editora: Abril
386 páginas (volume 1) e 374 páginas (volume 2)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Noite e Dia, de Virginia Woolf

Noite e Dia, escrito em 1917, é conhecido como o livro mais simples de Virginia Woolf, no entanto não é o primeiro livro dela, ou seja, alguns podem pensar que ela poderia ter feito melhor, talvez. Noite e Dia é um romance sobre os valores do casamento e a necessidade de liberdade de uma mulher. O que temos é a personagem Katharine não se importando tanto com um suposto casamento. O que temos é Ralph tão maduro e tão romanticamente apaixonado. O que temos é uma família inglesa adoradora de literatura, uma bela casa, festas (chás) e outras coisas mais que acontecem noite e dia; noite e dia em Londres. E o romance se desenrola de acordo com o impulso e a razão de Katharine misturados, em alguns momentos, com sua doce sabedoria. É interessante ver a busca de Virginia Woolf para mostrar que sua personagem principal não era uma simples mulher e era uma simples mulher: atitudes infantis, outras normais, outras sábias e maduras (a personagem foi inspirada na irmã de Virginia Woolf, Vanessa Bell).
O que me deixa absolutamente feliz foi que, no início da leitura, achei que eu estava diante de uma história no estilo de Jane Austen, o que me entristeceu um pouco – não porque eu considere a Austen ruim, pelo contrário, ela é ótima – mas me entristeceu saber que em determinado momento, sabe-se lá por que, Virginia Woolf quisesse uma história típica dos romances de Jane Austen. Ainda bem que eu me enganei. Noite e Dia é como uma cortina que se abre para Londres, é como se dia após dia aquele passarinho que pousa numa janela relatasse os acontecimentos de pessoas…humanas! Simples e maravilhosamente humanas! E nesse ponto Virginia Woolf é tão sagaz, fazendo do simples belo, da rotina aventura. Os personagens dançam confortáveis entre as amarguras da vida. Eles revelam uma característica de sempre optar por encarar o problema, por resolver a situação de acordo com os seus impulsos. Gosto muito disso.
Assim como Katherine Mansfield criticou o romance Noite e Dia (e foi por isso que as duas não mais se entenderam como amigas), ela também o elogiou. E também é essa a minha vontade: gosto, fico muito feliz com muitos pontos do livro. Em outros, porém, Virginia Woolf deslizou um pouquinho, por exemplo: o pai de Katharine Hilbery é de personalidade forte, mas ao longo da história ele quase não aparece até que, em certo momento, ele surge “do nada”. Faltou alguma coisa ali e, por outro lado, o susto que senti quando o pai de Katharine volta à história, fosse o mesmo sentido pelos personagens quando “notaram” a presença dele, ou seja, ela pode ter feito isso propositalmente. E nos capítulos finais, diferente de todo o livro que é lento e repleto de detalhes, ela acelerou um pouco o ritmo da história. Mas é um livro de Virginia Woolf e isso basta: pela técnica, pela sinestesia, pelo mergulho na mente romântica de cada personagem.
As frases lindas do livro Noite e Dia foram o meu alimento para o twitter @woolfv nesse últimos dois meses. Alguns outros trechos, os maiores, estão no blog e revelam uma história romântica, como Virginia Woolf poderia estar na época em que o escreveu. Sim, Virginia Woolf romântica! Isso lhe soa estranho? Para mim, depois de ler Noite e Dia, não mais.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco


Simão Botelho era um típico homem do século XIV, de boa família, com uma mesada recebida regularmente para realizar seus estudos. Teresa era uma típica mulher (menina) do século XIV, de boa família, que deveria fica à espera da decisão de seu pai sobre qual homem a levaria para o altar. Eles eram vizinhos. E as famílias se odiavam, assim como a história de Romeu e Julieta. E isso, devido ao que já conhecemos, pode nascer um amor que não pode ser.

E tem o primo que convence o tio ser o melhor partido para a sua filha Teresa, e acaba com os planos de namoro feitos através dos olhares trocados por ela e Simão Botelho, o vizinho inimigo de seu pai. Mas a filha não tem tanto assim de menina comum do século XIV, ela sabe dizer o que quer e, de antemão, avisa o pai que não casa-se com o primo Baltasar Coutinho, que, nada mais é que um ser capitalista em busca do dinheiro do seu tio através do casamento com sua prima. “Por parte de Baltazar Coutinho a paixão inflamou-se tão depressa, quanto o coração de Teresa se congelou de terror e repugnância”. E então temos o conflito principal.

Movidos por uma paixão avassaladora, Teresa e Simão trocam cartas regadas a sentimentalismos e sofrimentos puros de amor, com uma vontade de morrer se não for possível ficarem juntos, como se fosse uma ferida se abrindo cada vez mais, como se o derramar sangue e sofrer fossem uma situação do mais puro amor. E se faz necessário matar Baltasar Coutinho que, primeiramente, tenta matar Simão Botelho, mas acerta-o apenas de raspão. Mas Simão, como o herói da história, não falha em sua missão e mata o primo de Teresa na frente de todos. E não foge. E assume o crime. E vai para a cadeia. Afinal, os românticos são, sobretudo, pessoas extremamente honradas, assumidoras de todas as suas aventuras e desventuras. Paralelamente a menina Teresa está vivendo num convento por obrigação de seu pai. Nesse ponto o autor não perde a chance de fazer uma crítica ao ambiente religioso, pois a descrição do convento é de um lugar totalmente oposto ao que se pensa sobre religiosidade: freiras loucas, dissimuladas, mexeriqueiras e pecadoras.

E como toda a história necessita de antagonistas – que “carregam” e “conversam” com os personagens principais, temos também dois personagens muito interessantes: Mariana, uma camponesa, e seu pai, João da Cruz. Este é totalmente grato a família de Simão Botelho devido a uma preciosa ajuda realizada no passado e, assim que ele vê o integrante da família precisando de abrigo, oferece-lhe. E Mariana, por forças inexplicáveis talvez, apaixona-se perdidamente por Simão Botelho e passa, então, a ajudá-lo com tudo que for preciso para que ele consiga resgatar Teresa do convento.

Mas tudo acontece em vão, a não ser o amor que parece crescer e crescer a cada página lida, como se fosse um fermento em excesso no bolo. Cresce e cresce, transbordando da forma da sanidade. Simão enlouquece, Teresa enlouquece, Mariana enlouquece – todos em nome do amor. E, de repente, uma pequena sobriedade volta, mas o vestígio da loucura permanece. No livro isso é chamado de honra. A honra do amor único, eterno, para sempre. “Tenho a demência da dignidade: por amor da minha dignidade me perdi.” E eu me pergunto: que amor é esse? Que necessidade é essa de colocar o ser amado como algo tão perfeito e que ao mesmo tempo enlouquece? Isso é amor mesmo?

Amor de Perdição deve ser lido por todos aqueles que querem compreender a escola literária do Romantismo e por todos que gostam de filosofar sobre o amor. É um livro bonito, muito bem escrito e, no início, talvez se tenha um pouco de dificuldade para acompanhar a leitura, pois trata-se de um romance escrito em 1862, então, obviamente, não veremos frases típicas de hoje em dia, mas sim, um mergulho na gramática portuguesa desse período, o que eu acho divino.

Os autores românticos falam de amor com muita dor, como se carregassem nas costas o amor representando por uma bigorna. Dói. Mas hoje ainda vemos o amor assim, porque o “amor” é algo possessivo, dolorido, sofrido em muitos casos. Não mudamos muito. A literatura, o cinema, a novela ainda tratam muito do amor romântico; na vida ainda vivemos esse tipo de amor, apenas disfarçamos melhor esse “sentir o amor” como sinônimo de perfeição e honra, mas que leva o ser humano à loucura, a demência, criando uma lógica que, se assim não for, não é amor. Parece que Camilo Castelo Branco quer dizer isso, como se isso não tivesse importância se menor fosse, ao ponto de escrever um livro. O amor só é interessante se intenso. Extremamente intenso e louco. E ele também critica toda a sociedade da época, os moldes como os casamentos são feitos, como as famílias lidam com suas filhas mulheres. No livro, escrito em 15 dias enquanto ele estava na cadeia, Camilo Castelo Branco afirma que, através de um personagem secundário, que seria muito simples se o pai de Teresa não tivesse bloqueado a história de amor dela com Simão. Seria tão simples se, mesmo no meio da história, ele voltasse atrás e permitisse a felicidade de sua filha. Mas não. Tadeu Albuquerque em nome de uma honra que só existia na cabeça dele, carregou o amor extremo de sua filha rumo à loucura e morte. Não só de Teresa, mas de todos que ali sentiram o que eles chamavam de amor.

Algumas frases do livro:

“Em cada mulher, quatro mulheres incompreensíveis, pensando alternadamente como se hão de desmentir umas às outras.”
“Sem saber que os encantos da vida, os mais angélicos momentos da alma, são esses lances de misterioso alvoroço que aos mais serôdios de coração sucedem em todas as razões da vida, e a todos os homens, uma vez a menos”
“Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa.”
“A liberdade do coração é tudo.”
“Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência.”
“(…) alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela do egoísmo.”
“Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar.”
“Tenho a demência da dignidade: por amor da minha dignidade me perdi.”

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Eu sou o Mensageiro - Markus Zusak

Este é um livro bem simpático, do mesmo autor de "A Menina que Roubava Livros". Apesar de menos conhecido que seu irmão best-seller, foi publicado primeiro, em 2002. É uma leitura muito gostosa, com um enredo mais "leve" que o do outro livro.
Ed Kennedy é um rapaz de 19 anos, motorista de táxi, e sem muitas perspectivas na vida. Mora sozinho com seu cachorro Doorman ("porteiro", em português) em uma espécie de cabana em um subúrbio pobre, enquanto suas duas irmãs e seu irmão são bem sucedidos e moram na cidade. Pra completar, não se dá bem com sua mãe, que sempre faz questão de jogar na sua cara que ele é o único dos filhos dela que a envergonha, e seu pai morreu por causa de seu vício em bebida.
A vida de Ed se resume a rodar a cidade em seu táxi, e a jogar baralho e tomar cerveja com seus amigos Marv, Ritchie e Audrey (que por acaso também é a garota por quem ele é perdidamente apaixonado - sem nenhuma esperança.), até o dia em que sem querer impede um assalto a banco. A partir daí, ele começa a receber ases de baralho pelo correio, sem a menor ideia de quem os envia, ou por que eles são enviados pra ele.
Percebendo que ele havia sido escolhido pelo remetente para ajudar pessoas, ele agora roda pela cidade, tentando da melhor maneira possível seguir o que dizem as cartas.

Trecho do livro:


Meu nome completo é Ed Kennedy. Tenho dezenove anos. Eu sou um motorista de táxi menor de idade. Eu sou o exemplo típico de muitos dos jovens que você vê nesse subúrbio - sem muitas perspectivas ou possibilidades. Fora isso, eu leio mais livros do que deveria, e sou decididamente ruim em fazer sexo e pagar impostos. Prazer em conhecê-los.


Autor: Markus Zusak
Editora: Knopf
357 páginas


p.s.: como li o livro em inglês, o trecho acima é uma tradução livre, feita por mim mesma. 

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Os Delírios de Consumo de Becky Bloom - Sophie Kinsella

Rebecca Bloom é uma jornalista da área financeira, mas, ironicamente, não consegue lidar com as próprias finanças! Suas “pequenas” compras diárias sempre extrapolam o limite do cartão de crédito e da razão. Ela vive fugindo do gerente de banco, inventando as desculpas mais esfarrapadas possíveis. Após colocar em prática alguns planos malucos para saldar suas dívidas, tudo o que consegue é contrair mais. Desesperada, tenta por sua vida em ordem, mas acaba se metendo em confusões ainda maiores quando se apaixona por quem não deveria.

A autora Sophie Kinsella esbanja humor neste livro divertidíssimo, que deu origem ao filme do diretor P.J. Hogan, estrelado em 2009.


Trecho do livro:

Estou sonhando? É uma miragem? Vejo uma caixa registradora com uma fila de pessoas e uma vitrine com mercadorias e etiquetas de preços...

Ah, meu Deus, eu estava certa! É uma loja! Tem uma loja bem aqui na minha frente!

De repente meus passos têm mais elasticidade, minha energia volta como um milagre. Seguindo o tilintar da caixa registradora, corro para o outro canto, para a entrada da loja, paro na soleira e digo a mim mesma para não elevar minhas esperanças nem ficar desapontada se forem só marcadores de livros e toalhas de chá.

Mas, não são. É incrivelmente fantástico! Por que este lugar não é mais conhecido? Tem várias lojas lindas, livros realmente interessantes sobre arte, umas porcelanas incríveis, cartões e...

Ah! Mas eu não deveria estar comprando nada hoje, deveria? Droga.


Autora: Sophie Kinsella
Tradução de Eliane Fraga
Editora: Bestbolso
363 páginas

sábado, 31 de julho de 2010

Hiroshima - John Hersey

Só é possível compreender a real dimensão do sofrimento das vítimas da bomba de Hiroshima (lançada em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial) após a leitura desta obra. John Hersey, um dos principais expoentes do Jornalismo Literário, entrevistou seis sobreviventes da bomba, um ano após a tragédia. O jornalista levou seis semanas escrevendo a reportagem, que inicialmente ocuparia as páginas da edição de agosto da revista The New Yorker, onde trabalhava. Quarenta anos depois, Hersey retornou à cidade japonesa, reencontrou seus entrevistados e incrementou seu trabalho, transformando-o no livro Hiroshima.

A bomba produziu não apenas seqüelas físicas, mas também psicológicas e emocionais nas vítimas que carregam consigo até hoje os efeitos produzidos pela exposição à radiação atômica (crianças ainda nascem deformadas devido ao acúmulo de material radioativo nos genes dos pais). O livro consegue reproduzir fielmente todo o sofrimento humano dos sobreviventes, fato notável inclusive devido à complexidade e amplitude do acontecimento. O jornalista absorveu o principal dos relatos coletados e conseguiu transmitir isso em um relato comovente e cheio de horror.

Cinqüenta anos após a sua publicação, o livro continua atual, tanto por seu caráter informativo (levando o acontecimento às novas gerações que não presenciaram o lançamento da bomba por terem nascido depois), como também por ser uma reportagem surpreendente e rica em detalhes. Sem contar o fato de que a obra pode ser considerada uma denúncia contra a violência humana.

A leitura de Hiroshima flui com facilidade devido ao estilo leve da narrativa. Ao finalizar a obra, Hersey inclui diversas informações sobre testes posteriores realizados com bombas nucleares ao redor do mundo e acaba por induzir um questionamento pessoal em cada leitor: será que vale a pena dizimar tantas vidas por interesses de poucos?

Trecho do Livro:

Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se pergutam por que estão vivas, quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade - um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam nada disso.


Autor: John Hersey
Tradução: Hildegard Feist
Editora: Companhia das Letras
172 páginas

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Odisséia - Homero

Odisséia é um dos grandes poemas épicos de Homero e relata a trajetória do herói Ulisses (também chamado de Odisseu) de volta à sua terra natal, Ítaca, após combater durante árduos anos na guerra de Tróia. O regresso para casa não será tão rápido, já que Ulisses terá de enfrentar os perigos do mar e a fúria dos deuses gregos, o que lhe custará muita estratégia e a vida de seus companheiros. Como se não bastasse, sua esposa Penélope, angustiada e quase sem esperanças de que o marido retorne após tantos anos de ausência, pretende se casar novamente. Enquanto Ulisses está no mar, a caminho de casa, há uma horda de pretendentes interessados em sua esposa, todos eles vivendo em seu palácio e usufruindo seus bens sem piedade. Seu filho Telêmaco, vivendo no palácio com a mãe, não suporta mais esta situação e sai em busca do pai desaparecido.

A saga do herói é composta por 24 cantos, traduzidos diretamente do grego. A narrativa oscila entre o romance, o fantástico e o natural, mostrando que o destino de um homem pode ser governado tanto por si mesmo como também pelos deuses, que se apresentam instáveis: ora auxiliam o herói, ora o querem destruir. Acima de tudo, Ulisses demonstra (além de coragem e força física) que suas ações são movidas pela honra. Uma epopéia rica em aventuras e pontuada com humor do começo ao fim.

Trecho do livro:

Posidão, que o solo estremece, ergueu, emborcado, um vagalhão enorme, terrível e medonho, e arrojou-o sobre Odisseu. Tal como o vento impetuoso agita um montão de palhas secas e as dispersa em todos os sentidos, assim espalhou a vaga os longos fustes da jangada. Odisseu, porém,  escanchou-se num dos troncos, como se montasse um cavalo de sela, despiu as roupas que a divina Calipso lhe ministrara e de contínuo abriu o véu sob o peito, atirou-se de bruços na água, de braços estendidos, pronto para nadar. O poderoso deus que o solo estremece viu-o, meneou a cabeça e disse a seu coração:

- Vagueia assim pelo mar agora, após tantos reveses, até chegares a um povo descendente de Zeus. Mas nem assim, espero, virás a rir de teus males.

Autor: Homero
Tradução (em prosa moderna) de Jaime Bruna
Editora Cultrix
289 páginas

sábado, 17 de julho de 2010

Anne Frank, Uma Biografia - Melissa Müller

Se você leu O Diário de Anne Frank e quer saber mais sobre a vida da garota, inclusive fatos e ocorridos que não estão registrados lá, a biografia escrita pela jornalista austríaca Melissa Müller é uma ótima opção.

Aos treze anos, Melissa leu os registros de Anne e se emocionou. Identificou-se demais com a menina judia que tinha a mesma idade que ela quando escreveu o diário, atualmente o documento mais famoso sobre as atrocidades cometidas pelo regime nazista na Segunda Guerra Mundial. Os conflitos de Anne, sua personalidade marcante e sua busca pelo autoconhecimento eram características comuns às de Melissa em sua adolescência. A partir de então, a jornalista quis saber mais sobre a vida da menina e, após dois anos de muita pesquisa e dedicação, deu origem à obra Anne Frank – Uma Biografia.


O livro, publicado em 2000, apresenta de forma detalhada a vida de Anne Frank antes, durante e após o período em que esteve escondida dos nazistas com mais sete judeus na casa dos fundos. Tudo o que não pôde ser encontrado no diário da menina (a vida de seus antepassados, o meio social em que ela passou a infância e seus últimos meses de vida no campo de concentração alemão em Bergen-Belsen) são relatados na biografia.

A autora viajou para diversos países em busca de parentes e amigos que conviveram com Anne e sobreviveram aos campos de concentração. Estas pessoas contribuíram com documentos, fotos e memórias pessoais sobre Anne e seu modo de ser. No livro há ainda um posfácio de Miep Gies, integrante do grupo de quatro pessoas que ajudou a família Frank a entrar para a clandestinidade. Miep revela possíveis traidores que delataram os oito judeus para os nazistas e os motivos que os levaram a fazer isso. Também conta porque resolveu ajudar a família e qual o motivo a fez silenciar sobre o assunto por mais de 50 anos.

Além disso, em Anne Frank – Uma Biografia, é revelada a existência de cinco páginas do diário de Anne que não foram publicadas por motivos pessoais de seu pai, Otto Frank, que guardou os escritos em segredo durante vários anos. Há ainda fotos e cartas inéditas da família Frank, que permitem ao leitor maior proximidade com a vida de Anne, tornando sua figura mítica mais humana e mais admirada aos olhos das pessoas que não a conheceram.

A biografia não substitui o diário de Anne. Muito pelo contrário, o complementa de forma abrangente, resultado de uma apuração minuciosa da jornalista Melissa Müller, que dá muita importância ao contexto histórico da época, apresentando em seu livro um quadro cronológico detalhado no qual inclui a trajetória da família Frank em sua luta contra o regime nazista. Ainda há, na obra, uma árvore genealógica com as gerações anteriores da família de Anne, tanto por parte de pai como de mãe.

Um dos motivos que impulsionaram Melissa a escrever este livro foi o fato da jornalista ter em mente inúmeras questões sem resposta, como “Em que ambiente familiar Anne cresceu?”, “Quais vivências marcaram-na?”, “Como se pôde chegar ao genocídio de judeus?”.Tais perguntas puderam ser respondidas após um longo trabalho de apuração e as que ficaram sem uma resposta exata foram explicadas por meio de conjecturas da autora, que ao final da obra chegou à conclusão de que não existem motivos lógicos que expliquem o holocausto e a irracionalidade do regime nazista.

Trecho do Livro:

Silberbauer ordena a seus ajudantes que façam uma revista no resto dos aposentos da casa dos fundos em busca de jóias e dinheiro, e também no sótão. Ele próprio vai pegar o volumoso cofre dos Frank no armário. Seu olhar percorre o quarto. Agora, ele encontrou o que precisa. A pasta de documentos de couro de Otto. Na verdade, a pasta de Anne; pois Otto cedeu-a para a filha como lugar seguro para seus documentos pessoais. Silberbauer abre a pasta, a vira de cabeça para baixo e, sem nenhum cuidado, deixa que os diários, os cadernos e as folhas soltas caiam no chão. "... meu diário não, meu diário só junto comigo!", Anne anotara quatro meses antes. Agora, ela não demonstra qualquer reação. Silberbauer, a quem irrita a aparente falta de surpresa de sua prisioneira, deixa o conteúdo do cofre cair na pasta e berra: — Vamos, preparem-se! Depressa! Em cinco minutos quero que todos tenham partido! Como num transe, os prisioneiros pegam suas bolsas de fuga, no quarto ao lado. Mochilas que estão prontas e penduradas há dois anos, preparadas para o caso de começar um incêndio, e eles tivessem de abandonar os fundos da casa. Eles fingem que não vêem a grande desordem que acabaram de fazer os nazistas holandeses em sua busca. Silberbauer, segundo-sargento da SS, não pode ficar parado. Com suas botas pesadas, anda de um lado para outro no quarto estreito. De um lado para outro. Isto tem um efeito intimidador, disseram a ele.

Autor: Melissa Müller
Tradução de Reinaldo Guarany
Editora Record
395 páginas

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Diário de Anne Frank

A jovem Anne, com apenas 13 anos de idade, judia e refugiada dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, agarrou-se a seu diário como a um amigo íntimo: para melhorar a imagem do amigo, há muito tempo esperado em minha imaginação, não quero jogar os fatos neste diário do jeito que a maioria das pessoas faria; quero que o diário seja como uma amiga, e vou chamar esta amiga de Kitty. O diário acompanhou a menina durante dois anos, principalmente em seu refúgio no Anexo Secreto, onde esteve com a família e mais quatro pessoas durante as perseguições aos judeus.


Seus relatos, repletos de confissões sobre seus sentimentos, mostram como Anne enfrentou o período mais difícil de sua vida: a angústia de não ter mais os amigos por perto, o medo que passou, seus constantes desentendimentos com a mãe, as transformações da puberdade, o primeiro amor e os conflitos internos que surgiam a cada dia mostram que as responsabilidades com que teve que arcar com tão pouca idade a tornaram adulta antes da hora. Essa maturidade estampa seus escritos, tão cheios de sonhos e planos para o futuro.

Ao escrever, Anne tinha noção de que seu diário poderia se tornar um importante documento histórico. Gerrit Bolkestein, membro do governo holandês no exílio, anunciou no rádio que após a guerra recolheria depoimentos pessoais de quem testemunhou o terror nazista de perto, para que fossem colocados à disposição do público. Anne reescreveu seu diário e selecionou as melhores partes, o que deu origem a duas versões do diário: uma na íntegra, outra apenas com os trechos selecionados.

A garota só não imaginava que seus registros pessoais seriam conhecidos e aclamados mundialmente após sua morte. Obra-prima de primeira qualidade, O Diário de Anne Frank faz com que o leitor compreenda de perto o terror vivido pelos judeus durante o exílio e se sinta comovido e inconformado com a destruição de tantos sonhos e sede de vida que faziam parte da pequena Anne.

Trecho do livro:

E se não tiver talento para escrever livros ou artigos de jornal, sempre posso escrever para mim mesma. Mas quero conseguir mais do que isso. Não me imagino vivendo como mamãe, a Sra. van Daan e todas as mulheres que fazem o seu trabalho e depois são esquecidas. Preciso ter alguma coisa além de um marido e de filhos a quem me dedicar! Não quero que minha vida tenha sido em vão, como a da maioria das pessoas. Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci.Quero continuar vivendo depois da morte! (...) Mas - e esta é uma grande questão – será que conseguirei escrever alguma coisa grande, será que me tornarei jornalista ou escritora?

Autora: Anne Frank
Tradução de Alves Calado
Edição Integral
Editora Record
315 páginas

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A Hora da Estrela - Clarice Lispector

Quem nunca ouviu falar de Macabéa? Sem dúvida, entre as personagens de Clarice Lispector, a mais conhecida. Em A Hora da Estrela, ela apresenta alguns aspectos semelhantes à vida da autora, como o fato de ter se mudado de Alagoas para o Rio de Janeiro. Datilógrafa, semi-analfabeta e órfã, Macabéa vive como pode e entende o mundo ao seu (limitado) modo. Se alegra com pequenos prazeres, como pintar de vermelho as unhas róidas, comer cachorro-quente e escutar diariamente a Rádio Relógio, que dá "hora certa e cultura". O êxtase de sua vida ocorre quando ela começa a namorar Olímpico de Jesus, metalúrgico que sonha ser deputado da Paraíba. Mas ele logo decepciona a nordestina que, em busca de um futuro, vai à cartomante pra descobrir, no final das contas, que sua existência seria rápida demais para sonhar com uma vida melhor.

Com uma dose de humor e a tentativa de traduzir em palavras a experiência vivida pela protagonista, o escritor Rodrigo S.M, também personagem do livro, conta a história da nordestina, mulher simples em todos os aspectos, com a vida marcada pela miséria e o desamparo.

Último livro publicado por Clarice em vida, a obra foi adaptada ao cinema brasileiro em 1985, no filme de Suzana Amaral. Marcélia Cartaxo, atriz que fazia o papel de Macabéa, ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim.

Trecho do Livro:

Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de um não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou de perto as manchas no rosto. Em Alagoas chamavam-se 'panos', diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento. Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio.

Autora: Clarice Lispector
Editora Rocco
87 páginas

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Paixão Segundo G.H. - Clarice Lispector

Sem dúvida é o romance que revela todo o misticismo de Clarice Lispector. A personagem G.H, mulher de classe média, depara-se om uma grossa barata perambulando no armário do quarto. Há um confronto mudo entre as duas, que se resolve quando G.H. esmaga o repulsivo inseto na porta do armário. A partir daí,  a personagem entra em longa introspecção, que a leva a aproximar-se cada vez mais da barata, a ponto de querer comê-la e assim anular sua própria existência como  mulher.

Os questionamentos que a personagem apresenta ao longo do texto muitas vezes se assemelham aos questionamentos e inquietações pessoais dos leitores, por isso tantos são os que se identificam com a obra de Clarice.
Primeiro livro da autora escrito em primeira pessoa, A Paixão Segundo G.H. revela a busca de uma identidade por uma mulher que possui tantas camadas quanto uma barata.

Trecho do livro: 

O que era pior: agora eu ia ter que comer a barata, mas sem a ajuda da exaltação anterior, a exaltação que teria agido em mim como uma hipnose; eu havia vomitado a exaltação. E inesperadamente, depois que da revolução que é vomitar, eu me sentia fisicamente simples como uma menina. Teria que ser assim, como uma menina que estava sem querer alegre, que eu ia comer a massa da barata.

Autora: Clarice Lispector
Editora Rocco
180 páginas